Com a
aproximação das festas religiosas da Páscoa, é preciso lembrar que muito mais
do que a fixação das imagens de suplício e de dor, do Mestre na cruz, devem
prevalecer em nossas mentes os exemplos de amor que Ele deixou. Sua figura
calma e serena e suas lições de felicidade e esperança, essas sim, devem fazer
parte das nossas lembranças, convidando-nos à nossa renovação constante de
todos os dias e não apenas nas datas comemorativas.
A verdade é que
fazemos parte de uma história, cujas tradições e hábitos ainda estão fortemente
arraigados em nós, que já passamos entre idas e vindas por tantas fases de
despertar e conhecimento espiritual. Por isso é bom saber sobre os feriados
“santos” de que desfrutamos.
Afinal,
o que é a Páscoa?
De acordo com a
Torá, os judeus preparavam todos os anos a ceia tradicional da Páscoa,
relembrando o êxodo do Egito de seus antepassados em busca da Terra Prometida.
Vinda da palavra hebraica pesach, Páscoa quer dizer passagem,
podendo significar passagem da escravidão para a liberdade, passagem da morte
para a vida, do velho para o novo.
Para algumas
escolas religiosas, a Páscoa encerra o sentido de ressurreição, isto é, a
passagem da libertação do espírito para a Terra Prometida. Como preparo para
essa época, há um período de 40 dias (quaresma), caracterizado por jejuns,
penitências e reflexões; tristeza, dor e luto, abstnência de carne e longas
orações.
Bastante
suavizadas pela Igreja a partir dos anos 1960, por ocasião do Concílio Vaticano
II, essas práticas aos poucos vão senso substituídas pela maior preocupação de
se passar aos fiéis o sentido de transformação da morte em vida, como
verdadeiro símbolo da Páscoa, a ressurreição do amor universal.
A ressurreição de Jesus
Como espíritas,
sabemos que a ressurreição de Jesus se refere apenas ao seu aparecimento
através de seu perispírito (corpo espiritual), materializado ou não, após a
morte de seu corpo físico, afinal ele mesmo dissera que não teria vindo para
derrogar as leis, no caso as divinas, eternas e imutáveis. A Páscoa para nós
representaria, então, o retorno de Jesus à vida espiritual, interessando-nos
muito mais as lições que Ele deixara através de tantos exemplos, do que as
festas, cerimônias e rituais que foram instituídos para recordar sua passagem
terrena.
Diante das
comemorações da Semana Santa, vale a pena salientar, contudo, algumas
considerações oportunas sobre o assunto, à luz da doutrina espírita.
Praticar o jejum
ou aplicar uma mancha de cinza no corpo, por exemplo, de forma alguma apagarão
“pecados” ou outorgarão virtudes, algo que é de teor interno, do espírito, e
que somente nós mesmos conseguiremos no decorrer de nossas várias experiências,
com muito amor, esforço e trabalho.
Os apóstolos de
Jesus, também, por exemplo, não eram adeptos do jejum, como estabelecia a
tradição judaica da época, tendo o Mestre inclusive comentado que o que de fora
entra no homem não pode contaminá-lo, porque não entraria no seu coração, mas
no seu ventre, e de lá seria portanto lançado fora, nada lhe restando na
essência espiritual.
Jesus ensinou mesmo que é o que sai do
coração do homem que contamina e não o que entra pela boca. É que do interior
do coração saem os maus pensamentos, as avarezas, a idolatria, a inveja, a
blasfemia, a soberba e a loucura, afastando-o de Deus. (Leia-se Marcos 7:13-23)
Jesus vitorioso
É bom lembrar
ainda que Jesus sabia, durante a realização da última ceia com os apóstolos,
por ocasião das comemorações da Páscoa judaica, que se aproximava o momento de
seu retorno à patria espiritutal. Como Jesus poderia anunciar sua despedida com
tanta segurança? Somente um espírito muito evoluído poderia ter passado por
tantos suplícios físicos e morais com tamanha coragem, fé e serenidade, dando
incansavelmente seu testemunho de amor e fraternidade, exemplos de quem sabia
verdadeiramente amar.
Ciente de sua
vitória espiritual, da sua missão cumprida através de sua vinda à Terra, não
lhe cabia o papel de derrotado, de decepções e mágoas como numa relação
familiar comum entre espíritos menos evoluídos, que vemos todos os dias pela
própria necessidade de nosos aprendizados.
Jesus não tinha
o que aprender. Por isso, embora açoitado e crucficado, contava com a
resignação dos que confiam, dos que têm o conhecimento da verdade e da justa
medida do bem-sofrer. “Não se turbe o vosso coração; na casa do meu Pai há
muitas moradas; vou prepará-los e vos levarei comigo; orai e vigiai pra não
entrardes em tentação; minha paz vos dou; se eu não for, o Consolador não virá”
foram algumas dessas lições de sabedoria que ele deixou, por amar e conhecer em
identidade com o Pai.
Daí outras belas
lições; “eu e o Pai somos um”, “podeis fazer o que eu faço e muito mais”, “não
sou eu que faço, mas o Pai que vive em mim”.
Sem a
interpretação espiritual da letra, impossível compreender a profundidade de
tantos ensinamentos.
A beleza das lições
Inúmeros
exemplos. Mas que não foram suficientes para que a figura de Jesus não fosse
senão lembrada e relembrada na Terra como sinônimo de chagas, espinhos, sangue,
desilusão, sofrimento.
Se analisarmos
sua tarefa terrena, ficaremos emocionados, sim, mas muito mais tocados pela
beleza da imensa lição de amor e de sabedoria que representou sua vinda até
nós, da sua verdadeira comunhão com Deus por compartilhar, pelo seu grau
evolutivo, das Suas ideias. Passagens que trazem a alegria da fé, a esperança,
o consolo e a coragem dos que sabem amar.
Essa visão mais
positiva – bem oposta, aliás, àquela que nos tem sido passada, principalmente
nos tradicionais filmes reprisados nessa época da chamada Semana Santa, de dor,
tristeza, lamento, traição e desilusão –, faria com que toda a Humanidade
aprendesse a ver realmente o período da Páscoa como mais uma oportunidade de
reflexão e renovação, de estímulo para se cultivar as virtudes, porém sem
culpas ou remorsos; muito mais com a certeza de incentivo para que participemos
ativamente dessa passagem, no esforço de cada dia nesse banquete íntimo
de renovação de nós mesmos.
Esta foi a
verdadeira misão de Jesus na Terra: exemplificar, mostrar não somente a Lei, mas
vivenciá-la em sua plenitude, indicando os caminhos para melhor cumpri-la e
sermos mais felizes. Uma felicidade que não é deste mundo, dirão alguns mais
afoitos, desanimando-se, por não entenderem que esse mundo não se refere
somente à morada terrena, mas ao mundo das coisas puramente materiais, às quais
espíritos ainda imperfeitos que somos estão sujeitos em seu caminho evolutivo,
como o livro adequado que têm à disposição para seu aprendizado.
A felicidade de que
Jesus nos fala se relaciona às aquisições espirituais. E isso é Páscoa, é
renovação. Tem por base o desenvolvimento do amor e do conhecimento, que exigem
trabalho, observação, dedicação, estudo e prática no exercício do Bem, por amor
a Deus, ao próximo e a si mesmo. E esse é o nosso desafio, base da lei para
começarmos a compreender o que seria afinal ser feliz e não estar
feliz.
Essa mudança
requer renovação interior e pode até mesmo começar na Páscoa, por que não? É
olhar para dentro de si mesmo e reconhecer-se, esforçando-se para arrumar o que
ainda nos faz sofrer.
O perdão de Jesus
Outro ponto
importante a considerar é que Jesus não perdeu uma única oportunidade para nos
auxiliar na busca dessa felicidade. Não vai trilhar por nós, e deixou isso
claro. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” Sigamo-lo, então.
Ciente das
nossas imperfeições, compreendendo o nosso estado evolutivo, não haveria motivo
para nos culpar pela sua condenação e morte, para passarmos depois a adorá-lo
num mea culpa sem fim como símbolo da nossa rebeldia. Não. Ele não
falou da Boa Nova para nos conquistar pela culpa, deixando nossos corações
amargurados e apertados, sofrendo o remorso até o fim de nossos dias,
reservados à tristeza e à monotonia de uma fé imatura de pedidos e mais pedidos
de perdão. Isso não seria segui-lo.
De que serviriam
tantas clemências com tão poucas oportunidades de reformulação? Tanto Jesus
sabia da nossa inferioridade e da nossa necessidade de amor e discernimento,
crianças espirituais, tolas ainda, que ele mesmo pediu: “Pai, perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem!”
O Mestre veio,
assim, nos salvar da ignorância, mostrando o amor, como a outra face para a
solução dos nossos problemas. Trouxe uma nova ordem, para atingirmos a
felicidade, que se prendia muito mais às coisas do espírito. E ensinou que a misericórdia
divina está justamente na dádiva das inúmeras oportunidadesque nos são
concedidas para aprender e amar.
Que
aproveitemos, assim, então mais uma delas. Boa reflexão, boa renovação,
boa Páscoa a todos!
Escrito por Eliana Ferrer Haddad
Publicado em
http://www.correiofraterno.com.br
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