quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Devolvam-nos a família



            Já tivemos várias fases. Aquela em que os mais velhos eram os grandes transmissores de saber e conhecimento, porque os mais respeitados pela idade, sinônimo de experiência; depois passamos à parentalidade representada na figura do pai, chefe da família, cabeça de casal; seguidamente entramos na fase da mãe, a progenitora, aquela que sabe coisas que mais ninguém sabe; por fim coube à infância a noção de que esta também é transmissora de conhecimento e saber, não importando se é capaz de o transmitir ou não, isto é, adivinha-se que a criança é possuidora de conhecimentos que a família não ensinou, e, portanto, não nasce tábua rasa.
            Com tudo isto, e parece óbvio, a noção de conhecimento e de saber sofre profundas alterações e com elas o nível de importância que lhes é atribuído. Vejamos:
Ao destronar o idoso do podium de um saber de experiências feito, o que não significa necessariamente analfabetismo, perde-se a noção de que a vivência de uma vida inteira é rica de situações que, independentemente da época, se repetem eternamente. É disso exemplo a ponderação nas opiniões, o saber ouvir o outro atentamente, por outras palavras, o ensinar da vida a levar a água ao moinho. Assim, há que ter a noção de que essa experiência não pode ser equivalente a zero, pois há que perceber que ela está para além da tecnologia.
            Por outro lado, aqueles que confundem analfabetismo com ignorância estão a esquecer-se de que a forma não escrita de transmissão de saberes vale tanto como a escrita. Até porque desenvolve a importância da palavra oral como representativa de moral e ética. A palavra de honra é isso mesmo. O que é dito não está escrito mas vale pelo que o proferiu. Estamos a falar de tempos em que “palavras, não as levava o vento”.
            Além disso, o idoso letrado trás aos jovens colegas todo um saber exercer profissional cujas arestas foram limadas pelo tempo. Por exemplo, os jovens juízes precisam, e muito, de ouvir os colegas mais velhos, com mais experiência no terreno. Se os não ouvirem, e do alto dos seus naturais ímpetos juvenis, alguns deles ditam sentenças verdadeiramente catastróficas. Precisam de aprender que há uma bitola, mas que nem todos podem ser medidos pela mesma, pois que a singularidade do indivíduo, ao passar ao crivo universal da Lei, também deve ser salvaguardada.
            O pai, como representante do lar, numa família que passou a ser o casal e os filhos, excluindo os avós, ou, ainda que estes vivam na mesma casa, são habitualmente segregados, também já não é um exemplo para os filhos. Este novo modelo de pai, desligado do seu progenitor, quebrou a linha de afeto que congregava a família.           
 Sozinho no seu lar, enterrado em preocupações e inseguro no seu posto de trabalho, a despender mais energias em mantê-lo do que na progressão da carreira, sem o apoio incondicional e sempre presente do seu próprio pai e mãe, é um pai sem história e sem histórias para os seus filhos. Estes, por seu lado, assustados e desiludidos, temem que a mesma sorte um dia lhes bata à porta. O pai tornou-se representante de temeridade, insegurança, fracasso apesar das lutas, de todos os esforços, persistência e coragem.
            A mãe, igualmente ausente e por isso frustrada, tem hora marcada para acariciar os filhos e dar atenção ao marido. De um modo geral inventa desculpas para justificar a não presença quando é mais necessária. Ela vê os filhos serem tratados por outras mulheres, as educadoras do diversos graus até chegar ao Primeiro Ciclo de escolaridade. A mãe é uma mulher que traz parte do sustento para casa, parte das lutas por uma vida melhor, mas também traz a ausência, o tempo reduzido para a família, a permanente ocupação mental com o que não pertence ao lar.
            É neste contexto desastroso que a criança, cujos direitos são recentes, ocupa o primeiro lugar. Na sua aparente fragilidade, representa o futuro, o afeto, a incerteza, a docilidade e uma lufada de ar fresco nas preocupações. Porém, com tão pouco tempo para filhos, numa sociedade em que dar à luz tornou-se pecado e ter família cadastro, há os que preferem investir tudo isto num cão ou num gato, sempre estão livres da mudança de fraldas e de preocupações com a educação.
            Perante este cenário, perguntamos: O que é que as religiões têm feito para mudar a situação? O que é que as igrejas cristãs têm feito do alto da sua cátedra de amor ao próximo? O que é que elas mudaram nos comportamentos, nos hábitos, nos usos e costumes? Que Deus transportam consigo? Que mensagem e que universo de esperança?
            Parece que o fator religioso mais não tem feito que pactuar com a situação pois não conseguiu impor-se, e uma religião ou igreja que não sabe impor a sua humanidade é uma fraca representante dos desígnios de Deus.
          Não queremos caridadezinha para com as famílias, queremos famílias, tão simplesmente. Não queremos filhos de pais incógnitos, mas pais que sejam ajudados, quando e sempre que necessário, para que os filhos conheçam os pais e estes possam amá-los incondicionalmente.
            Não podemos continuar a permitir que a sociedade assente em órfãos de pais vivos. O trabalho não é uma religião, nem uma família, nem pode ser uma ocupação a tempo inteiro. O trabalho é o contributo de todos para o bem-estar da sociedade. É um dever cívico e simultaneamente espiritual.
            O que somos nós sem o amor da família? Sem raízes, sem uma referência, sem um ponto de origem de forma a podermos dizer “eu venho dali!”?
            Os distúrbios psicológicos, nalguns casos irreversíveis, resultantes dos problemas em torno da família, são a causa de uma sequência infindável de atos violentos, de desespero, de falsa religiosidade, de falso profissionalismo, de conflitos interiores inultrapassáveis.
            Queremos uma sociedade em que homens e mulheres possam amar-se, viver unidos, respeitar-se e, assim, desfrutar da vida em plenitude. Precisamos das histórias para adormecer dos avós, de lhes conhecer a vida de ponta a ponta.
            Uma sociedade que aposta na ausência da família é uma sociedade que caminha para o abismo. Contrariá-lo é uma luta de todos, uma oração pelo mundo.
Pai nosso, que estais em todo o Universo, escutai a nossa voz e, sem ofensas, que ela se espalhe a todas as almas pensantes. Amem.

Margarida Azevedo
Publicado em http://www.forumespirita.net

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Dia da Saudade

"O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..." - Mário Quintana"
A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar" - Rubem Alves"
A saudade da amada criatura é bem melhor do que a presença dela." - Mário Quintana 
"Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante" - Carlos Drummond de Andrade 
"A saudade que dói mais fundo e irremediavelmente é a saudade que temos de nós." - Mário Quintana 
"Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já..." - Pablo Neruda


              Brasileiro comemora tudo. Quando não existe no calendário ele cria. Hoje, dia 30 de janeiro, no Basil é comemorado o dia da saudade.  Essa palavra só existe na língua portuguesa e galega e serve para definir o sentimento de falta de alguém ou de algum lugar.  A palavra vem do latim solitate, que na tradução literal quer dizer solidão. Com o passar dos anos, assim como outras palavras se transformam de acordo com as variações da pronúncia, solitate passou a ser solidade, depois soldade e, finalmente, saudade.
            Mas em nossa língua ela adquiriu um significado bem mais romântico, como nos mostra o Dicionário Aurélio: Saudade: Substantivo feminino - Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; nostalgia.
            Podemos considerar que no dia da saudade as pessoas se dedicam às lembranças de seus entes queridos que estão ausentes, de fatos que viveram ou de lugares e objetos que marcaram suas vidas. Isso faz com que a palavra saudade se torne melancólica, trazendo certo sofrimento.
            Saudade é também definida como “a sensação de incompletude, ligada à privação de pessoas, lugares, experiências, prazeres já vividos e vistos, que ainda são um bem desejável”, segundo o dicionário Veja Larousse.
            Em outras línguas não existe uma palavra capaz de traduzir o significado amplo de saudade, mas algumas delas trazem conceitos próximos, mas não tão nobres. Em inglês, saudade é “I miss you” que quer dizer sinto sua falta; em Francês “souvenir”, que significa lembrança; em italiano “ricordo affetuoso”, recordação afetuosa; em espanhol “recuerdo ou te extraño mucho, que significam lembrança e sinto falta, respectivamente.
            Ao longo da história podemos perceber a saudade nas músicas e nos poemas, desde longos anos. Charlie Chaplin diz: “Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos vazios”; Luis Fernando Veríssimo determina que “não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar”; Vinícius de Moraes e Tom Jobim cantaram a saudade dizendo: “Chega de saudade, a realidade é que sem ela não há paz, não há beleza é só tristeza e a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai”.
            Os sertanejos também retratam muito a saudade, pois deixam o campo para trabalhar na cidade. Chitãozinho e Xororó falaram da saudade retratando que “por nossa senhora, meu sertão querido, vivo arrependido por ter deixado. Esta nova vida aqui na cidade, de tanta saudade, eu tenho chorado”.
            E o rock não podia deixar de se manifestar sobre o tão nobre sentimento. Raul Seixas registrou sua expressão na letra que diz “hoje é feriado, é o dia da saudade, hoje não tem aula pra garotada, velhas de varizes na calçada, só na saudade” (Ver vídeo a seguir).
            Este sentimento sempre foi tema de músicas, poemas, filmes e não há quem já não o tenha sentido. Temos saudades de pessoas, de momentos, de situações, de lugares. Sentimos falta de tudo o que nos faz bem. E, como dizem que relembrar é viver, a saudade nos transporta para um tempo em que fomos mais felizes, trazendo, muitas vezes, lembranças doloridas.

             Saudade é um registro fiel do passado. É a prova incontestável de tudo que vivemos e ficou impresso na alma. Ao confessarmos uma saudade, na verdade, estamos nos vangloriando de que, ao menos uma vez na vida, conhecemos pessoas e vivemos situações que foram boas, e serão eternas em nossa alma. Nutri-la, é alimentar o espírito e a própria existência.
              Se há tantas e, ao mesmo tempo, tão imprecisas definições de saudade, resta-nos apenas cultivá-la e alimentá-la com pensamentos, músicas, perfumes, fotografias, lugares, fins de tarde e madrugadas. Saibamos viver plenamente o presente, pois ele será a saudosa lembrança de amanhã.

E para desejar a todos um Dia da Saudade cheio de boas lembranças, vai um poema do grande Mario Quintana:

Saudade

Na solidão na penumbra do amanhecer.
Via você na noite, nas estrelas, nos planetas,
nos mares, no brilho do sol e no anoitecer.

Via você no ontem , no hoje, no amanhã...
Mas não via você no momento.

Que saudade...


Mario Quintana
Com informações do site http://www.brasilescola.com

raul seixas dia da saudade

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Reflexões espíritas sobre a Tragédia de Santa Maria


      A tragédia de Santa Maria me leva a algumas reflexões que considero importantes para o movimento espírita.
      Recentemente participei de uma banca de doutorado na Universidade Metodista, em que o pesquisador José Carlos Rodrigues, examinou em ampla investigação de campo quais os principais motivos de “conversão”, eu diria, “migração” para o espiritismo, no Brasil. Ganhou disparado a “resposta racional” que a doutrina oferece para os problemas existenciais.
      De fato, essa é grande novidade do espiritismo no domínio da espiritualidade: introduzir um parâmetro de racionalidade e distanciar-se dos mistérios insondáveis, que as religiões sempre mantiveram intactos e impenetráveis, sobretudo o mistério da morte.
      Entretanto, essa racionalidade, que era realmente a proposta de Kardec, tem sido barateada em nosso meio, como tudo o mais, para tornar-se uma cartilha de respostinhas simples, fechadas e dogmáticas, que os adeptos retiram das mangas sempre que necessário, de maneira triunfante e apressada, muitas vezes, sem respeito pela dor do próximo e sem respeito pelas convicções do outro.    Explico-me.
      Por exemplo: existe na Filosofia espírita uma leitura de mundo de “causa e efeito”, que traduziram como “lei do karma”, conceito que vem do hinduísmo. Essa ideia é de que nossas ações presentes geram resultados, que colheremos mais adiante ou que nossas dores presentes podem ser explicadas à luz de nossas ações passadas. Mas há muitas variáveis nesse processo: por exemplo, estamos sempre agindo e portanto, sempre temos o poder de modificar efeitos do passado; as dores nem sempre são efeitos do passado, mas sempre são motivos de aprendizado. O sofrimento no mundo resulta das mais variadas causas: má organização social, egoísmo humano, imprevidência… Estamos num mundo de precário grau evolutivo, onde a dor é nossa mestra, companheira e o que muitas vezes entendemos como “punição” é aprendizado de evolução.
      O assunto é complexo e pretendo escrever mais profundamente sobre isso. Aqui, apenas gostaria de afirmar que nós espíritas, temos sim algumas respostas racionais, mas elas são genéricas e não podem servir como camisas de força para toda a realidade. Que respostas baseadas em evidências e pesquisas temos, por exemplo, para essas famílias enlutadas com a tragédia de Santa Maria?
      • que a morte não existe e que esses jovens continuam a viver e que poderão mais dia, menos dia, dar notícias de suas condições;
      • que a morte traumática deixa marcas para quem fica e para quem foi e que todos precisam de amparo e oração;
      • que o sofrimento deve ter algum significado existencial, que cada um precisa descobrir e transformá-lo em motivo de ascensão…
      • que a fé, o contato com a Espiritualidade, seja ela qual for, dá forças ao indivíduo, para superar um trauma dessa magnitude.

      Não podemos afirmar por que esses jovens morreram. Não devemos oferecer uma explicação pronta, acabada, porque não temos esses dados. Os espíritas devem se conformar com essa impotência momentânea: não alcançamos todas as variáveis de um fato como esse, para podermos oferecer uma explicação definitiva. Havia processos da lei de causa e efeito? Provavelmente sim. Houve falha humana, na segurança? Certamente sim. Qual o significado que essa tragédia terá? Cada pai, cada mãe, cada familiar, cada pessoa envolvida deverá achar o seu significado. Alguns talvez terão notícias de algum evento passado que terá desembocado nesse drama; outros extrairão dessa dor, um motivo de luta para mais segurança em locais de lazer; outros acharão novos valores e farão de seu sofrimento uma bandeira para ajudar outros que estejam no mesmo sofrimento e assim por diante.
      Oremos por essas pessoas, ofereçamos nossas melhores vibrações para os que foram e para os que ficaram e ainda para os que se fizeram de alguma forma responsáveis por esse evento trágico. Mas tenhamos delicadeza ao tratar da dor do próximo! Não ofereçamos respostas fechadas, apressadas, categóricas, deterministas. Ofereçamos amor, respeito e àqueles que quiserem, um estudo aberto e não dogmático, da filosofia espírita.

Fonte: http://doraincontri.com/2013/01/28/reflexoes-espiritas-sobre-a-trag...

Dora Incontri (Bragança Paulista/SP)
é uma jornalista, escritora brasileira. É doutora em educação pela Universidade de São Paulo. É um importante nome da Pedagogia espírita. Por todo Brasil, participa de seminários proferindo palestras embasadas neste tema. 
Obras  Pedagogia espírita: Um Projeto Brasileiro e Suas Raízes;
  • A Educação segundo o Espiritismo;
  • Pestalozzi, Educação e Ética;
  • Para Entender Allan Kardec;
  • A Educação da Nova Era;
  • Todos os Jeitos de Crer;
  • Kardec Educador;
  • Vivências na Escola.
  • Deus e deus.
  • A Arte de Morrer - Visões Plurais.
  • Filosofia - Construindo o Pensar.

Soneto do Amor Total


Vinicius de Moraes
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Cilada das almas gemeas



Joana Abranches
            A Doutrina Espírita é clara no que diz respeito às almas gêmeas. Não existem metades que precisam se completar para desfrutar a eterna felicidade. Cada um de nós é uma individualidade que estabelece laços e afinidades com outras individualidades, através dos tempos e das vivencias sucessivas. Se substituirmos o termo “gêmeo” por “afim”, vamos perceber que são muitas as almas afins que encontramos e reencontramos por esse mundão de meu Deus, e que todas elas, cada uma seu modo, têm seu espaço e importância em nossa caminhada. Podemos dizer então que são várias as nossas “almas gêmeas”. Amigos, filhos, irmãos, pais, mães, maridos e esposas, entre outros, formam a imensa fileira das relações de afinidade construídas vidas afora.

Porém, apesar da clareza dos ensinamentos espíritas, ainda vemos muita gente boa, dentro do nosso movimento, cair nessa armadilha emocional, que está mais pra conto do vigário que pra conto de fadas, e pode gerar graves conseqüências, não só na vida pessoal, como também no núcleo espírita em que trabalham.

            Temos presenciado histórias preocupantes. Aqui, são aqueles dois médiuns, ambos casados com outros parceiros, que se descobrem “almas gêmeas”; E aí, tentam se enganar que estão “renunciando”… Mantém-se em seus casamentos, mas tornam-se “irmãos siameses” na Casa Espírita. Sentam-se lado a lado nas reuniões, são vistos juntos em todos os lugares, dão sempre um jeitinho de fazer parte da mesma equipe (isso quando não arranjam uma missão que “a espiritualidade designou somente aos dois”) e se isolam pelos cantos em conversas particulares sem fim. Só tem olhos um para o outro e, em tal enlevo, não se dão conta que à sua volta todos sentem o que está acontecendo, sobretudo seus maridos e esposas, humilhados publicamente no melhor estilo adultério por pensamento e intenção, embora sob a máscara do amor fraternal. Sim, porque o fato de não partirem para o ato sexual não os exime do abandono afetivo e da traição emocional em relação aos cônjuges.

            Acolá, é aquela irmã solitária e carente, que se depara com o eloqüente e carismático orador. Que palestra!… Que palestrante!… Que homem! Ele só tem um defeito: É casado!… E logo com aquela senhorinha já envelhecida e meio sem graça… Que desperdício!… E eis que de repente ele também a vê na platéia… Bonitona, elegante, jovial e olhando-o com aquele olhar de admiração apaixonada que há muito ele não percebe na companheira… Afinal, o casamento – como todos após lá seus trinta anos – já entrou na rotina. Oh céus! Ali mesmo cupido dispara a flexa e zás!… Começam as justificativas íntimas: “Como não tinham se descoberto antes?!… Por certo eram almas gêmeas que há muito se procuravam… O casamento foi um equívoco; o reencontro uma programação para que pudessem trabalhar juntos para Jesus.” Resolvem então assumir o romance. A mulher dele, abandonada após anos de companheirismo e convivência, entra em profunda depressão, os filhos se revoltam, a família se desestrutura, os companheiros se retraem, decepcionados e temerosos… “Ora, quem tem suas mulheres e maridos que se cuide, pois se aconteceu com o fulano, que era um exemplo, ninguém está livre”…

            Instala-se então o tititi e a desconfiança. Daí para o escândalo é apenas um passo, e para o afastamento constrangido dos próprios envolvidos, sua família e outros tantos trabalhadores desencantados com a situação, é um pulo. Sofrimento, deserção e descredibilidade. Tudo pelo direito ao “felizes para sempre”junto à sua “metade da laranja”… Mas, onde é que está escrito, no Evangelho, que é possível construir felicidade sobre os escombros da felicidade alheia ou edificar relacionamentos duradouros em alicerces de leviandade e egoísmo?

            Temos visto estrondosos equívocos desse tipo mexer seriamente com estruturas de famílias e Casas Espíritas, fazendo ruir Instituições e relações que pareciam extremamente sólidas. Temos visto companheiros valorosos das nossas fileiras, que caminhando distraídos de que “muito se pedirá àquele que muito tiver recebido”, de repente resolvem jogar pro alto o patrimônio espiritual de uma vida inteira, em nome do “amor”. E assim, cônjuges dedicados e dignos são descartados como se não tivessem alma nem sentimentos, em detrimento de aventuras justificadas por argumentos inconsistentes, sem nenhum respaldo ético/moral ou espiritual. Isto quando ainda há um mínimo de honestidade e se pede a separação, porque alguns preferem continuar comodamente em seus relacionamentos “provacionais”, porém mantendo, na clandestinidade, um “afair” paralelo com a tal “metade eterna”, sob a desculpa esfarrapada de que a família deve ser poupada, pois “família é sagrado!!!” Logo se faz sentir o efeito dominó. Lá adiante, após vários corações feridos e muitas quedas morais, a convivência faz a alma gêmea virar “alma algemada”. As desilusões chegam, inevitáveis, com todo o peso resultante das atitudes ditadas pelas paixões, mas na maioria das vezes, já é tarde pra retomar, ainda nesta existência, o percurso abandonado.

            Reflitamos. Ninguém chega atrasado na vida de ninguém. Se chegou depois é porque não era pra ser. E se não era pra ser há um bom motivo para isso, visto que as Leis Divinas são indiscutivelmente sábias, justas e providenciais. Não tem pra onde fugir: Quando o teste nos procura, ou somos aprovados ou forçosamente teremos que repetir a lição futuramente, e em condições bem mais adversas…

            Podemos reencontrar, no grupo de trabalho espírita, grandes amores e paixões do passado que nos reacendem sentimentos e sensações maravilhosas? Sim. Podemos olhar para companheiros de ideal espírita com outros olhos que não sejam os do amor fraternal? Sim. Nada mais natural. Mas sabemos, pelo Apóstolo Paulo, que poder nem sempre significa dever… Portanto, o bom-senso nos diz que investir ou não afetivamente nessas pessoas, vai depender de que ambos estejam livres para fazê-lo.

            Alguém haverá de argumentar que casamento não é prisão e que aliança não é corrente; que ninguém está preso a ninguém “até que a morte os separe” e que o próprio Cristo admitiu a dissolução do casamento. Porém, o espírita não desconhece que, na maioria dos casos, muito além dos compromissos cartoriais existem profundos compromissos e dívidas emocionais entre aqueles que se escolheram como marido e mulher nesta vida. Compromissos muito sérios para serem dissolvidos porque o corpo requer sensações novas, porque a mulher envelheceu, perdeu o brilho ou porque o marido ficou rabugento… Como se o outro estivesse só quebrando um galho enquanto a “outra metade” não chegava…

            Todos almejamos felicidade, e no estágio evolutivo em que nos encontramos, isso ainda tem muito a ver com realização afetiva. Por isso mesmo, não devemos ignorar que só a quitação de antigos débitos emocionais é que nos facultarão essa conquista. Precisamos interiorizar, de uma vez por todas, que os casamentos por afinidade ainda são raros neste momento planetário, e que se ainda não conseguimos amar o parceiro que nos coloca em cheque ou aquele que não corresponde aos nossos anseios, o conhecimento das leis morais exige que ao menos nos conduzamos com um mínimo de retidão e tolerância diante deles. Tal consciência nos exige também, caso nos sintamos atraídos por companheiros já comprometidos, que nos recusemos terminantemente, sob qualquer pretexto, a desempenhar o deprimente e desrespeitoso papel da terceira pessoa numa relação, pois não há conversa fiada de alma gêmea que dê jeito no rombo emocional aberto pela desonestidade afetiva, nem justificativa de carência e solidão que nos permita desviar da rota do dever sem que tenhamos, forçosamente, que colher amargos frutos, porque “se o plantio é livre, a colheita é obrigatória”.

            Não se colhe rosas plantando espinhos. Sejamos responsáveis diante daqueles que escolhemos e que nos escolheram para compartilhar a vida. Acautelemo-nos contra as ilusões. Se os nossos anseios são irrealizáveis por agora, respeitemos as limitações impostas pelo momento que passa; Por mais possa doer olhar de longe um dos muitos seres amados, que cruza o nosso caminho nesta vida, mas que já optou por outra pessoa, só a dignidade de nos manter à distância é que vai possibilitar, pelas justas leis da vida, que conquistemos por mérito, lá na frente, em outras circunstancias, a alegria do reencontro e a partilha do afeto junto àquele que nos é tão caro, porque estaremos redimidos dos ônus afetivos do ontem através das atitudes renovadas do hoje.


“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, e tudo o mais vos será acrescentado” (Mateus 6.33)


Saibamos buscar… Saibamos esperar… Trabalhemos por merecer… Afinal, temos pela frente a eternidade!


* Joana Abranches – Assistente Social e Presidente da Sociedade Espírita Amor Fraterno – Vitória/ES

domingo, 27 de janeiro de 2013

Pequeno manual da vida mal resolvida



Eu estou em crise. Assim como a economia europeia, a Síria ou a política de combate a enchentes no Rio. Em épocas assim, as pessoas perguntam o que está acontecendo, como tudo começou, qual a perspectiva de melhora. Contando a mesma história para muita gente e passando a vida a limpo, numa espécie de sessão de terapia contínua, o resultado pode ser bastante confuso: não percebi o que estava acontecendo? Errei? Não me controlei? Não sou madura o suficiente?
De todo esse período, venho sistematizando algumas ideias, que vão contra a corrente dos livros de autoajuda, mas que me parecem mais atadas à minha realidade do que pregam os gurus do autocontrole e da “vida bem resolvida” (e aqui crio uma rima pobre por falta de sinônimo melhor para a expressão). Eu não espero que você, caro leitor, concorde com todas – nem mesmo com uma delas. O objetivo deste texto, assim como todos os outros deste blog, acredito, é compartilhar pensamentos e propor reflexões. Certo ou errado não são os tópicos aqui.
“É preciso ser forte”: como disse uma amiga minha, eu quero é ser fraca. Chorar, sofrer, desabafar fazem parte das rotinas humanas e não é vergonha nenhuma dizer que a dor está muito forte e que está difícil de segurar. Deixar lágrimas escorrerem em público, querer passar um dia triste, sentir que está sem chão naquele momento não fazem de você uma pessoa frágil e que não agradece pelos inúmeros momentos de felicidade que vive. Do mesmo jeito que o corpo dá sinais de alerta, com dores, para nos dizer que há algo errado, nossa mente e nossas emoções mostram que há pontos complicados na vida. E, assim como o físico, não há cura para tudo – mas também há sempre algo que ajuda a diminuir o peso. Em todos os casos, buscar tratamento – e ser firme nele, até os últimos recursos – também é sempre possível.
“Viver não é complicado. Somos nós que complicamos a vida”: mentira deslavada (ou sem-vergonha, que é um sinônimo mais saboroso, mas muito menos conhecido da palavra). Viver é complicado, sim. Amar alguém, e ser amado por ela, não torna as relações fáceis. Escolher uma profissão e gostar do que faz não evita que queiramos jogar a toalha às vezes. Amar os filhos não anula erros na criação. Amar os pais não impede que possamos ofendê-los quando queremos que eles se cuidem. Ver avós morrendo, seguindo a trajetória natural da vida, não torna a separação menos sofrida. Somos bichos complicados, inseguros, com medo de fazer escolhas erradas, traumatizados pelos eventos do passado. Isso implica que vamos errar, ferir, ofender, distorcer, recuar, mudar, tantas vezes quantas forem necessárias no meio do caminho. Pedir desculpas não vai adiantar, mas também mal não irá fazer. Dizer que aquilo serviu de aprendizado para não fazer de novo é meia verdade, porque sempre podemos errar novamente – mas, como meia verdade, isso também tem, obviamente, seu lado genuíno.
“Seja firme nas suas decisões”: não sei se acontece com todos, mas às vezes eu passo longos minutos olhando o cardápio, penso seriamente em que prato pedir, faço a escolha confiante e, quando chega a refeição, percebi que me enganei: o molho não era o que eu pensava. Seria ótimo se longos momentos de reflexão garantissem a decisão mais acertada, mas, se isso não é assim nem com a comida, que dirá com as emoções, com as relações, com os gostos. Eu detecto em minha vida algumas certezas: amo algumas pessoas, aprecio fazer determinadas coisas, quero cumprir certos objetivos (de vida profissional e de mudança ou evolução de personalidade). São pontos que não têm mudado com o tempo, mas, para continuarem assim, elas precisam ser cultivadas a cada novo dia. Então, eu não sou firme com as minhas decisões: eu as repito todo dia. Entende a diferença?
“Mantenha o autocontrole”: adoraria ser capaz disso, o tempo todo. Se algum leitor consegue, por favor, avise. Eu busco evoluir, e nesse período crítico passei por várias situações em que gostaria de ter tido a esperteza de me enfiar em um buraco e esperar a raiva e o desespero passarem antes de fazer alguma coisa. Estou cotidianamente buscando melhorar nesse sentido, mas confesso que retrocedo várias vezes ou cometo o mesmo erro outras tantas, ainda que eu reflita, ore, faça terapia, escreva sobre isso… Se houver algum ser humano que consiga nunca dar uma resposta mais seca; nunca dizer algo desnecessário e que machuque; ou mesmo nunca hesitar em dizer o que tem de ser dito no momento, por favor, me ensine o caminho. Se houver um modo mais fácil de ser humano, imperfeito, emotivo, confuso e inseguro, serei a primeira a segui-lo. No momento, apenas sigo sendo humana, ciente do que é sê-lo, mas sem a certeza de que conheço tudo da minha própria humanidade.

 Juliana Doretto- jornalista
texto publicado no blog Mulher 7 X 7