sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Pagar o Carnê

 Certamente você conhece, amigo leitor, a história de Poliana, a jovem orientada pela filosofia do podia ser pior, em livro homônimo de Eleanor H. Porter.
Quando menina, desejava ardentemente uma boneca. Sem recursos, o pai fez um pedido à instituição beneficente.
Poliana aguardou com ansiedade.
Quando chegou um pacote, às vésperas do Natal, mal conteve a emoção.
Ao ser aberto, grande foi sua frustração, porquanto, por engano, remeteram-lhe um par de muletas em lugar da sonhada boneca.
Vendo-a desolada e chorosa, o pai convidou:
- Minha querida, vamos fazer o jogo do contente.
- O que é isso, papai?
- É uma brincadeira para você animar-se sempre que algo a aborrecer.
- Como agora?
- Sim, você tem uma boa razão para estar triste. Recebeu um par de muletas no lugar da boneca. Mas há uma razão ainda melhor para ficar feliz.
- Com um par de muletas?!
- Sim. A felicidade de não precisar usá-las.
Interessante esse jogo, amigo leitor.
Se estamos tristes por não ter vários pares de calçados, lembremos dos que não têm pés...
Se nos incomoda o uso de óculos, recordemos os que não enxergam...
Se nos aborrece a falta de um automóvel, é pensar em gente imobilizada no leito...
Se não ganhamos tão bem quanto desejaríamos, evoquemos os desempregados...


A Doutrina Espírita propõe um jogo mais consistente.
Não se trata de buscar consolo em males alheios, mas de compreender que todos os males guardam justa origem.
Não houve engano dos poderes que nos governam ao remeter o pacote  de nosso destino. Nele está um  carnê  para pagamento parcelado de nossos débitos cármicos junto à Justiça Divina.
No Capítulo V, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, item 12, reportando-se à quarta bem-aventurança de  O Sermão da Montanha  (Mateus, 5:4), diz Allan Kardec:

Por estas palavras:  Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados,  Jesus aponta a compensação que hão de ter os que sofrem e a resignação que leva o padecente a bem dizer do sofrimento, como prelúdio da cura.
Também podem estas palavras ser traduzidas assim: Deveis considerar-vos felizes por sofrerdes, visto que as dores deste mundo são o pagamento da dívida que as vossas passadas faltas vos fizeram contrair; suportadas pacientemente na Terra, essas dores vos poupam séculos de sofrimentos na vida futura. Deveis, pois, sentir-vos felizes por reduzir Deus a vossa dívida, permitindo que a saldeis agora, o que vos garantirá a tranquilidade no porvir.


Beleza, meu caro leitor!
Kardec explica que o carnê vem com largos descontos! É só quitar com pontualidade as  prestações  ao longo da existência, sem birra e sem fuga, e nos habilitaremos a um futuro de bênçãos.

Isso sem esquecer que o tempo para pagamento total do carnê, ao longo da existência, equivale a mera fração de segundo no relógio da eternidade.
O problema está nas complicações em que nos envolvemos.
Conheci um bancário, bom rapaz, trabalhador, educado, mas, lamentavelmente, um perdulário. É o indivíduo que gasta compulsivamente, bem mais do que o fazem animadas senhoras em liquidação de  shoppings.
Como todo perdulário, contraiu dívidas acima de suas disponibilidades financeiras. Cansados de suas desculpas, os credores procuraram o gerente do Banco onde trabalhava. Homem de bons princípios, condoeu-se e resolveu ajudar o subalterno em dificuldade.
Foi feita uma composição de dívidas. Com autorização do devedor, seu salário foi bloqueado, em parte, para pagamento mensal dos credores. Em dois anos, o problema estaria resolvido.
Tudo certo, não fosse por pequeno detalhe: ignorando apelos de amigos e familiares, ele continuou com a gastança. Contraiu novas dívidas, complicou ainda mais sua situação e acabou demitido.
Algo semelhante ocorre em relação à jornada humana.
Perdulários do tempo, estamos sempre a ampliar débitos na contabilidade do Destino.
Cada vez que reencarnamos, a Justiça Divina nos permite uma composição da dívida, com os amplos descontos concedidos pela divina misericórdia.
Fazem parte do carnê dores e problemas que, de permeio, limitam o nosso poder de compra, isto é, cerceiam nossos impulsos inferiores, a fim de que não ampliemos nossos débitos.

Alguns exemplos:
O alcoólatra inveterado que cozinhou o fígado e desencarnou prematuramente, como suicida inconsciente, reencarna com lesões no fígado e problemas envolvendo o aparelho digestivo.
O homem que fugiu de seus compromissos, apelando para o suicídio, tenderá a retornar com graves limitações físicas, a fim de superar os desajustes que provocou em seu corpo espiritual.
O viciado em sexo virá com graves problemas congênitos, envolvendo os órgãos genitais, a fim de superar suas tendências.
O problema é que raros cumprem integralmente o planejado e, à maneira do perdulário, comprometem-se em novos débitos:
O alcoólatra, contido pelas limitações físicas, mas ainda inspirado nas tendências que desenvolveu, envolve-se com drogas.
O ex-suicida rebela-se com a atual situação e nutre o desejo de nova fuga, com o que apenas agravará seus débitos.
O viciado do sexo, não obstante as limitações que lhe foram impostas, deixa-se levar por suas tendências e cai em novos desvios.
Com isso, de existência em existência, o Espírito, ao invés de quitar seus débitos, aproveitando a composição misericordiosa da Justiça Divina, vai se complicando.
- Toma juízo, meu filho - diz o pai ao filho rebelde, comprometido em erros e vícios.
É exatamente essa a mensagem que Deus nos passa através do Espiritismo.
- Toma juízo!
O conhecimento espírita nos convida à reflexão, habilitando-nos a quitar o carnê de forma consciente e disciplinada, sem queixas e sem arroubos perdulários que apenas aumentam nosso passivo, na contabilidade do destino.

(Richard Simonetti)
Publicado no site http://www.forumespirita.net

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