sábado, 1 de dezembro de 2012

Em busca de respostas

Como pais e mães nos tornamos professores da vida sem tempo para planejar as aulas. A maioria das aulas, vai, porque não somos tão despreparados assim. Muitas lições são ministradas à medida que a curiosidade dos filhos avança ou surge do nada. Temas são lançados de chofre nas horas mais inesperadas.
- O que é transar? – quer saber a menina, quase gritando no meio do restaurante lotado para ser ouvida.
Sabe quando há uma ligeira redução no nível de decibéis ao seu redor?
E tem assunto que se impõe pela situação. Por mais antenado e criativo que você seja, não pensou em explicar para a criança por que tem adulto que não cresce. Daí a filha de 3 anos fica encarando o anão na loja, encarando, encarando, você tentando evaporar de preferência, até que não dá mais para esperar e você tira a menina de circulação tentando chamar a atenção dela para outro assunto. Ao chegar nesse ponto, não dá mais para ser discreto.
- Meu anjo, vem cá com a mamãe.
Para não sermos pegos por muitas surpresas ou passarmos batido por temas muito fora da nossa realidade, tentamos sempre que dá colocar certos assuntos na mesa, discutir, falar das diferenças, das culturas, das pessoas e do mundo, essa paleta de cores desconhecidas e surpreendentes à nossa volta. Mas não tenho dúvidas de que lições ao vivo, baseadas em algum fato, filme ou notícia, têm mais apelo para a mente em formação.
Por isso não pensei duas vezes quando vi as fotos de duas crianças vítimas da guerra entre Israel e Palestina, no Globo, de domingo. As fotos dessa guerra têm acabado com meu café da manhã. Eu choro. Eu não me conformo. Mas aquelas fotos no domingo poderiam ser vistas por minha filha mais velha, pensei. Hora de uma lição chocante.
Uma foto mostrava a criança com sangue no rosto e a outra criança, bastante assustada. Minha filha de 7 anos recém-completos leu as legendas.
“Trau-ma. Me-ni-no ao la-do da mãe, fe-ri-da em um a-ta-que de Is-ra-rra-el, num hospital de Ga-za: ao menos trin-ta e três crian-ças mor-re-ram no con-fli-to”.
Ela olhou para mim, mortificada.
- Conflito? Conflito é guerra? – ela me perguntou.
- É.
- TRINTA E TRÊS?
- Pois é.
- Trinta e três morreram? MORRERAM? É mais do que a minha turma inteiiiira!
- Muita criança, filha, muita. Muito triste.
- O que é Gaza?
- O nome do lugar.
Ainda boquiaberta e com os olhos arregalados, ela leu a outra legenda, da outra criança e foi logo me perguntando.
- Qual a situação pior? Que criança está pior?”
- Filha, as duas estão mal.
- Mas uma tem sangue, a outra não.
- Só que ela vive assustada e com medo. Qualquer uma pode se machucar ou morrer a qualquer momento se o lugar onde elas estiverem for atingido pela guerra.
- Mas por que eles estão em guerra?
A partir daí, fui bombardeada por perguntas irrespondíveis e outras cujas respostas não preencheriam nunca a perplexidade de uma criança diante do incompreensível.
“E quem vai acabar com essa guerra?”
“Quando essa guerra termina?”
“Onde eles vivem?”
“Por que crianças morrem?”
“Mas quem começou a guerra?”
“Por que o foguete não tem direção?”
“A mãe do menino vai sobreviver?”
“Como ela se machucou?”
“Onde eles estão? É muito longe daqui?”
“Mamãe, o Brasil vai fazer guerra?”
“O Brasil tem inimigos?”
“Por que eles são inimigos?”
“Por que eles não se aceitam?”
“O que é intolerância?”
É possível responder objetivamente a muitas perguntas mas o irrespondível pairava entre nós quando uma genuína preocupação infantil se instalou naquele olhar.
“É, eu também não me conformo”, eu disse, enfim.
Entre aulas inesperadas e conversas pensadas, eu sempre me pergunto se consigo incutir nela a coragem e a serenidade necessárias para o enfrentamento da vida. Eu me questiono também se sei apaziguar corretamente o medo, se dou importância na hora certa, se corto o assunto na medida exata porque, obviamente, o tema guerra voltou na hora de dormir e eu tive que dar um chega pra lá nele sob risco de ninguém sossegar.
Ao ensiná-la sobre um novo tema, eu me vejo como o adestrador que coloca um bilhete na perninha do pombo e solta o bichinho no ar, acreditando que ele vá seguir com aquilo em determinada direção.
Eu não sei para onde minhas filhas vão voar, mas eu torço para que seja um lugar onde a paz, a solidariedade e a justiça sejam realidade. Enquanto posso, vou enchendo essa pequena bagagem do repertório que fortaleça a ideia de um mundo melhor, incluindo aí o conselho para elas continuarem fazendo perguntas e não se conformarem com certas respostas.
Ah, sim, caso alguém queira saber o final daquela conversa. Transar é namorar. Ponto final. Tem hora que é preciso não se estender demais.
Isabel Clemente é editora de ÉPOCA no Rio de Janeiro.

Época - Mulher 7 X 7

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