Juliana Doretto |
Fui acusada de ser inferior a um parceiro por não ter a mesma carreira que ele; fui ignorada por colegas de trabalho dele por não ser do mesmo grupo profissional; fui inúmeras vezes questionada: “Mas por que você não quer fazer o que ele faz? Você iria ganhar muito mais”. A resposta “Não é minha vocação” não pareceu convencer meus interlocutores. Cansei de dizer que não, ainda não terminei aquele “curso”: desisti de explicar que uma pesquisa de doutorado leva quatro anos e que não faço isso para “me ocupar”, mas que se trata do meu plano de vida. Nunca vi homens que estavam em condição semelhante à minha passarem pelo mesmo que eu.
Agradeço aos meus pais por terem me possibilitado escolher a
profissão que quis e por terem me deixado sair de casa, antes de
completar 18 anos, para estudar na capital paulista – do mesmo modo como
fizeram com meu irmão mais velho. Lembro-me de que alguns diziam a
eles: “Mas vocês vão deixar uma menina ficar sozinha em São Paulo?” ou
ainda “Por que vocês não a convencem a fazer medicina? Vai ganhar muito
mais dinheiro”. E quando, já formada, decidi pedir demissão e abrir uma
empresa, para trabalhar como profissional “freelancer” e poder me
dedicar mais ao meu mestrado, meu pai não soltou “Você é louca”, mas
aceitou ser meu sócio e me indicou um contador. Nesse caso, tenho
certeza de que eles fariam o mesmo se fosse meu irmão que tivesse lhes
dito isso.
Em 1950, minha avó se casou aos 28 anos e ainda me dizia que poderia
ter esperado mais — apesar dos comentários de que ela já estava velha
demais. Nos anos 70, minha mãe tirou a carteira de motorista escondida
de meu avô, porque ele não queria ver a filha dirigindo. Pagou o curso e
as taxas com o dinheiro de seu trabalho. Não serei eu, nos anos 2000, a
quebrar a tradição de família. Sinto muito, mas não aceito que me digam
o que posso ou não fazer. Não aceito que me achem inferior a quem quer
que seja – muito menos por não ter o mesmo gênero, ou o mesmo salário,
ou pior, o mesmo “status”. Não aceito que me considerem um enfeite,
acompanhando – de preferência, bem trajada e maquiada – o sucesso de
alguém. Sinto muito, mas eu terei uma carreira, sim. Aliás, já tenho.
* Juliana Doretto é jornalista.
NE: É inconcebível,
mas, em pleno século XXI ainda acontece essas coisas, principalmente aqui no
Brasil. Cada vez me convenço mais de que sou uma pessoa abençoada. Tenho a
sorte de ter a mesma profissão do meu companheiro e pude ao longo desses 33
anos trabalhar sempre ao seu lado. A mulher é que tem que se adequar ao estilo
de vida do marido, sacrificar até sua profissão se quiser manter o casamento.
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