Hoje, 15 de maio, comemora-se o Dia Internacional da
Família. Dando uma busca na internet sobre o assunto, me deparei com o artigo de Carlos Alberto Di
Franco e faço questão de compartilhar com os amigos para uma reflexão. É um pouco longo, mas, vale a pena ler.
A
sociedade assiste, assombrada, a uma escalada de crimes ocorridos no âmbito de
famílias de classe média. Transformou-se o crime familiar em pauta ordinária
das editorias de polícia. O inimigo já não está somente nas esquinas e vielas
da cidade sem rosto, mas dentro dos lares. Mudam os personagens, mas as
histórias de famílias destruídas pelo ódio e pelas drogas se repetem. A
violência não se oculta sob a máscara anônima da marginalidade.
Surpreendentemente, vítimas e criminosos assinam o mesmo sobrenome e estão
unidos pela indissolubilidade do DNA.
A multiplicação dos crimes em
família tem deixado a opinião pública em estado de choque. Paira no ar a mesma
pergunta que Fellini pôs na boca de um dos personagens do seu filme Ensaio
de Orquestra, quando, ao contemplar
o caos que tomara conta dos músicos depois da destituição do maestro, pergunta,
perplexo: “Como é que chegamos a isto?” A interrogação está subjacente nas
reações de todos nós, caros leitores, que, atordoados, tentamos encontrar
resposta para a escalada de maldade que tomou conta do cotidiano.
A tragédia que tem fustigado algumas
famílias aparece tingida por marcas típicas da atual crônica policial: uso de
drogas, dissolução da família e crise da autoridade. Não sou juiz de ninguém.
Mas minha experiência profissional indica a presença de um elo que dá unidade
aos crimes que destruíram inúmeros lares: o esgarçamento das relações
familiares. Há exceções, é claro. Desequilíbrios e patologias independem da boa
vontade de pais e filhos. A regra, no entanto, indica que o crime hediondo
costuma ser o dramático corolário de um silogismo que se fundamenta nas
premissas do egoísmo e da ausência, sobretudo paterna. A desestruturação da
família está, de fato, na raiz da tragédia.
Se a crescente falange de jovens
criminosos deixa algo claro, é o fato de que cada vez mais pais não conhecem os
seus filhos (e filhos também não se interessam por seus pais e avós). Na falta
do carinho e do diálogo, os jovens crescem sem referencias morais e âncoras
afetivas. Recebem boas mesadas, carros e viagens. Mas, certamente, trocariam
tudo isso pela presença dos pais. Sua resposta é uma explosiva combinação de
revolta e ódio. Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações nos
meandros das patologias mentais. Podem ter razão. Mas nem sempre.
Independentemente dos possíveis surtos psicóticos, causa imediata de crimes
brutais, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais
cruel: a desumanização das relações familiares. O crime intra e extra lar medra
no terreno fertilizado pela ausência. O uso das drogas, verdadeiro estopim da
loucura final, é, frequentemente, o resultado da falência da família.
A ausência de limites e a crise da
autoridade estão na outra ponta do problema. Transformou-se o prazer em regra
absoluta. O sacrifício, a renúncia e o sofrimento, realidades inerentes ao
cotidiano de todos nós, foram excomungados pelo marketing do consumismo alucinado.
Decretada a demissão dos limites e suprimido qualquer assomo de autoridade (dos
pais, da escola e do Estado), sobra a barbárie. A responsabilidade,
consequência direta e imediata dos atos humanos, simplesmente evaporou. Em
todos os campos. O político ladrão e aético não vai para a cadeia. Renuncia ao
mandato. O delinquente juvenil não responde por seus atos. É “de menor”.
Certas
teorias no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram uma opção
preferencial pela permissividade, também estão apresentando um amargo
resultado. Uma legião de desajustados, crescida à sombra do dogma da educação
não traumatizante, está mostrando a sua face perversa. Ao traçar o perfil de
alguns desvios da sociedade norte-americana, o sociólogo Christopher Lach (autor
do livro A Rebelião das Elites)
sublinha as dramáticas consequências que estão ocultas sob a aparência da
tolerância: “Gastamos a maior parte da nossa energia no combate à vergonha e à
culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas.” O saldo é
uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da
impunidade têm gerado uma onda de superpredadores. O inchaço do ego e o
emagrecimento da solidariedade estão na origem de inúmeras patologias. A forja
do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar
contornos de solução válida. A pena é que tenhamos de pagar um preço tão alto
para redescobrir o óbvio.
O pragmatismo e a irresponsabilidade
de alguns setores do mundo do entretenimento estão na outra ponta do problema.
A valorização do sucesso sem limites éticos, a apresentação de desvios
comportamentais num clima de normalidade e a consagração da impunidade têm
colaborado para o aparecimento de mauricinhos do crime. Apoiados numa
manipulação do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas
de TV crescem à sombra da exploração das paixões humanas.
As análises dos especialistas e as
políticas públicas esgrimem inúmeros argumentos politicamente corretos. Fala-se
de tudo. Menos da crise da família e da demissão da autoridade. Mas o nó está
aí. Se não tivermos a coragem e a firmeza de desatá-lo, assistiremos a uma
espiral de crueldade sem precedentes. É só uma questão de tempo. Já estamos
ouvindo as primeiras explosões do barril de pólvora. O horror dos lares
destruídos pelo ódio não está nas telas dos cinemas. Está batendo às portas das
casas de um Brasil que precisa resgatar a cordialidade captada pela poderosa
lente de Sérgio Buarque de Holanda (o pai do Chico) no seu memorável Raízes
do Brasil.
Fonte: www.iics.edu.br
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento
de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS (www.iics.edu.br)
e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco –
Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com).
E-mail: difranco@iics.org.br
Publicado no Portal da Família em 16/12/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário