quarta-feira, 8 de maio de 2013

Valsinha

Crônica baseada na composição Chico Buarque e Vinícius de Moraes Valsinha.

Marília e Fabiano formavam um casal tipicamente pacato. A rotina não tomou conta do casamento; ela impregnou o matrimônio mesmo antes dele ser consumado. Já no noivado Fabiano decidiu que o mais adequado seria não programarem a viagem de núpcias, pois o final do ano estava perto e, com as contas que se acumulariam no novo ano, seria melhor deixar para outra época.
Mesmo não gostando muito da ideia, contrariada, a noiva concordou. Provavelmente não imaginava que, mesmo após oito anos de casamento, a tal viagem ainda não teria sido feita.
Aos olhos dos amigos e familiares tudo ia bem. Ninguém notava o marasmo que era aquela relação. Apesar de ter uma presença sempre discreta nos eventos sociais, chegando e saindo cedo, os dois sempre estavam juntos e em harmonia.
Em dias de semana, como ambos trabalhavam em horários distintos, ela como enfermeira e ele como engenheiro civil, acabavam se vendo pouco. Sábado colocavam as pendências pessoais em dia e os domingos eram sagrados.
Dormiam até tarde, almoçavam na casa dos sogros de um ou de outro, Fabiano assistia futebol na televisão, Marília frequentava a missa das dezoito horas e o casal se juntava novamente para ver a semana terminar. Não era de se estranhar que não tivessem filhos…
Numa dessas tardes de domingo, enquanto lavava a louça na casa da sogra, Marília iniciou uma conversa com a Dona Mirtes, mãe de Fabiano:
­— A senhora sabe que a tenho como uma mãe, não é?
— Sei sim, minha filha. Por quê?
— Eu tenho notado que o casamento é muito diferente do que eu imaginava que seria.
— Como assim?
— Sei lá… — suspirou — Achei que teria mais movimento, mais paixão, não sei dizer ao certo.
— Bobagem, menina. Casamento que tem muita pimenta acaba dando indigestão. Confie em mim! Tenho trinta e cinco anos de casada, sei como é.
— Pode ser. Mas também não precisava ser tão morno como está. A gente quase nunca namora, Dona Mirtes… Quando vejo, a semana acabou e não fizemos nada.
— O Fabiano sempre foi quieto, desde meninote já era assim, tranquilo. Você é que precisa botar ele para se mexer. Se depender dele, morrerá de sede, mas não buscará um copo d´água.
O papo iria continuar, mas o sogro interrompeu a conversa sentando-se na cozinha. Porém, as palavras da sogra ficaram na cabeça de Marília. Poderia ser que ela estivesse certa, caberia a esposa fazer algo diferente.
Na manhã seguinte foi ao shopping e resolveu fazer uma surpresa para ver se algo acontecia, gastou o que não tinha, mas levou um belíssimo espartilho branco para casa.
Mesmo cansada depois de um dia de trabalho, Marília chegou, tomou um bom banho, se maquiou, vestiu o presente e foi para o quarto. Ao ver a mulher produzida, Fabiano pôs-se a rir.
— O que é isso, Marília?
— Um presente. — já toda sem graça respondeu. — Não gostou?
— Não é que não gostei, só não entendo porque está vestida como puta. O que deu em você, mulher?
— Nada, Fabiano… Nada.
Marília voltou ao banheiro, ligou o chuveiro para que Fabiano não escutasse seu choro e se despiu. Quando voltou para a cama, o marido já estava roncando. É certo que um marido desses merecia levar um bom chifre, pensou. Por ora, o cansaço vencera o sentimento de vingança e ela adormeceu.
Passados alguns dias a sensação de ser rejeitada pelo marido foi aumentando, principalmente porque ele nada fez para se desculpar por ter sido grosseiro. Marília, que nunca teve olhos para outros homens, começou a ser só sorrisos. Não era muito bonita, mas sua sensualidade e simpatia cativavam os homens.
Mais algum tempo depois eis que a semente do mal é plantada. Fabiano recebe uma ligação de um grande amigo que pede para se encontrar pessoalmente. No início ele se mostra reticente, mas diante da insistência do amigo resolve ir para ver do que se tratava.
— O que tenho para te dizer não é fácil, amigo…
— O que foi? Quem morreu?
— Morreu? Até agora ninguém, mas depois do que tenho para te contar, acho que acabará acontecendo.
— Conte logo, até porque esse suspense é que me matará!
— Vi tua mulher com um sujeito na hora do almoço! Ela estava lá num daqueles restaurantes da Rua Augusta, perto da Avenida Paulista, de mãos dadas e tudo.
— Impossível! Marília não seria capaz disso!
— Eu estava dentro do ônibus, quase que não a reconheci, mas como ele parou no ponto, deu tempo para ver a cena toda. Pode não ser nada, mas convém abrir o olho.
Fabiano saiu daquele encontro devastado. Tudo bem que sua vida conjugal não era das melhores, mas até aí, traição nem lhe passava pela cabeça. Sem saber o que fazer, foi se consultar com seu pai. Contou-lhe a história toda.
— Eu já sabia… — disse o pai.
— Sabia o quê? Que eu sou corno? E por que não me contou?
— Não, filho… Desse caso estou sabendo agora, mas desde quando você se casou eu sabia que aquela mulher era muita areia para o seu caminhão. Cedo ou tarde isso aconteceria.
— Mas, e agora, o que é que eu faço? Meto uma bala nos dois e depois me mato?
— Pare com isso! Você já não é mais um menino, está na hora de agir feito homem! Diante de um chifre você só tem duas opções: brigar com ela e deixar o caminho livre para o Ricardão agir ou lutar pelo casamento.
— Lutar pelo casamento? O senhor ficou doido? Não era você mesmo que dizia para todos que se algum dia descobrisse uma traição da mamãe, mataria os dois?
— Bravata! Qualquer homem adulto sabe que, na prática, as coisas não são assim. Só há dois tipos de maridos, os cornos e os “esquecidos”. Os cornos são aqueles que descobrem uma traição e fazem bobagem. Os mais espertos preferem esquecer. Separar não é fácil, filho. É melhor relevar uma ou outra bobagem, acredite em mim.
Percebendo a expressão de perplexidade que tomou conta de Fabiano, o pai continuou:
— Você a ama?
— Muito! Nunca pensei em estar com outra mulher!
—Então faz o seguinte, não levante a história. Pelo menos não até seu casamento estar mais forte. Passe a levá-la para sair, jantar fora, dançar… Coisas que mulher gosta. Seja mais atencioso, mais presente. Se você realmente gosta dela, esse é o jeito de ficar com essa mulher.
Dali em diante a vida daquele casal mudou. Passaram a ser um dos mais animados do grupo a ponto de sentirem saudade da rotina. Fabiano nunca tocou no assunto da traição, cortou relações com o amigo que lhe contou. Até hoje Marília nunca soube o valor que teve aquele almoço com seu primo.


Crônica de Marcelo Vitorino
 http://naquelamesa.com

Valsinha

Composição de Chico Buarque e Vinícius de Moraes, na voz de Martinho de Vila

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz


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