domingo, 18 de março de 2012

DUAS VIDAS.

Será que a opinião pública está tão interessada na visão que Narcisa Tamborindeguy ou Adriane Galisteu têm da vida? A julgar pelo espaço que a mídia dedica a esse tipo de formador (?) de opinião, o Brasil virou um imenso castelo de caras.

Adriane Galisteu, após seu casamento relâmpago, falou às páginas amarelas de Veja e deu aula magna de insensibilidade, egoísmo e sinceridade! Estranha mistura, mas a moça tem razão quando se diz sincera. Ela não engana, revela-se de corpo e alma e o retrato que aparece é assustador!

Adriane teve uma infância atribulada, perdeu o pai aos quinze anos, ainda pobre, e um irmão com AIDS quando já não era tão pobre. Não tinha um tostão para comprar um pastel sequer.
— Meu irmão estava doente. Minha mãe ganhava 190 reais do INSS, meu pai já havia morrido. Sustentava todo mundo e não tinha poupança alguma.
Peço licença a Adriane, mas vou falar de outra infância triste de mulher, a de Rosa Célia Barbosa.
Seu admirável perfil surgiu em reportagem recente da Vejinha sobre os melhores médicos do Rio. Alagoana, pequena, 1,50 m, começou sua odisséia aos sete anos, largada num orfanato em Botafogo, RJ. Rosa chorou durante meses.
— Toda mulher que aparecia no orfanato achava que era minha mãe que vinha me buscar. Depois de certo tempo, desisti.
Voltemos a Adriane. Ela é rica,  bem-sucedida e resolveu nunca mais passar fome. Até aí, tudo bem. Mas é desconcertante ver como o sofrimento pode levar à total insensibilidade.
Pergunta a repórter a Adriane se ela faria algo para o bem do outro:
— Para o bem do outro? Não, só faço pelo meu bem. Essa coisa de dar sem cobrar, sem ser solicitada, não existe. Depois, você acaba jogando isso na cara do outro.
— Nunca cede, então?
— Cedo, é claro! Já cedi em coisas que não afetam minha vida. Ele gosta de dormir em lençol de linho e eu em lençol de seda. Aí, dá para ceder!
Rosa Célia fez vestibular de medicina, morava de favor num quartinho e trabalhava para manter-se. Formou-se e resolveu dedicar-se à cardiologia neonatal e infantil, quando trabalhava no Hospital da Lagoa. Sem saber inglês, decidiu que iria estudar no National Heart Hospital, em Londres, com Jane Sommerville, a maior especialista mundial na área.
Estudou inglês e conseguiu uma bolsa e uma carta de recomendação da Dra. Sommerville. Em Londres, era ridicularizada pelos colegas ingleses por causa de seu inglês mal falado.
Ganhou o respeito geral quando acertou um diagnóstico dificílimo, após examinar uma escocesa por oito horas seguidas.
— Falava um inglês ainda pior que o meu — lembra, divertida.
Adriane está rica, mas não confia em ninguém, apenas na mãe. Nem nos amigos. Vejam:
— Não posso sair confiando nas pessoas. Não tenho motorista, nem segurança, por isso mesmo. É mais gente para trair-me! Confio mais nos bichos do que nos seres humanos. Ainda existem pessoas que acham que tenho amnésia. Muitas das que convivem comigo, hoje, já me viraram a cara quando eu estava por baixo. Mas pensa que  as trato mal? Trato-as com a maior naturalidade. Porque podem até me usar, mas vou usá-las também. É uma troca.

De Londres, Rosa Célia ia direto para Houston, nos Estados Unidos. Fora escolhida para a Meca da cardiologia mundial. Futuro brilhante aguardava-a.

Uma gravidez inesperada, no entanto, mudou seus planos. Pediu 24 horas para pensar e optou pelo filho, voltando ao Rio. Reassumiu seu cargo no Hospital da Lagoa e abriu um consultório, mas todos os anos viaja para estudar.

Passa pelo menos um mês no Children’s Hospital, em Boston, trabalhando 12 horas por dia.
— Você gosta de dinheiro (Adriane)?

— Adoro dinheiro e detesto hipocrisia. Gasto, gosto de gastar e de não fazer conta e de viajar de primeira classe. Tem gente que fala: “Esse dinheiro que ganhei vou doá-lo.” O meu, não dôo não, a não ser para minha conta. Adoro fazer o bem, mas também tenho minhas prioridades: minha casa e minha família. Primeiro ajudo quem está mais próximo. Mas faço minhas campanhas beneficentes.
Rosa chefia um centro sofisticadíssimo, a cardiologia pediátrica do Pró-Cardíaco. Lá são tratados casos limites, histórias tristes...! O hospital é privado e caríssimo, mas ela achou um jeito de operar, ali, crianças  sem posses.

Criou uma ONG, passa o chapéu, fala com amigos, empresários. O Projeto Pró-Criança já atendeu mais de 500 crianças e, destas, 120 foram operadas.

— Sonhei a vida inteira e fiz. Não importou ser pobre, mulher, baixinha  e alagoana. Eu fiz.
Voltando a Adriane, esbarramos, brutalmente, na frustração:
— Já tive vontade de viajar e não podia. Queria ter carro e não tinha. Não pude fazer faculdade por falta de dinheiro. Não que não sinta falta de livros, mas livros a gente os compra na esquina, conhecimento se adquire com a vida. Sinto falta de contar aos amigos essas histórias que  quase todos têm, do tempo da faculdade.

Duas vidas, dois perfis fora da normalidade, matéria-prima dos órgãos de imprensa. Mas qual é o mais valorizado pela mídia hoje em dia? É fácil constatar e chegar à conclusão de que alguma coisa está errada na nossa sociedade.

Pode ser até que o leitor tenha interesse mórbido em saber o que as louras e morenas burras ou muito espertas andam fazendo, mas a mídia não deve limitar-se a refletir e a conformar-se com a mediocridade, o vazio, o oportunismo e a falta de ética.

Os órgãos de imprensa devem ter um papel transformador na sociedade e, nesse sentido, estaríamos melhor servidos se houvesse mais Rosas Célias nos jornais, nas revistas e TVs.
Voltando ao castelo de Caras, as belas Adrianes, Narcisas, Lucianas, Suzanas ou Carlas, certamente encontrarão lá um espelho mágico e, se for mesmo mágico, ele dirá que Rosa Célia é a mais bela de todas elas!
http://sitenotadez.net

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