Coisa que me incomoda são os discursos de autopiedade. Por serem desprovidos de autocrítica ou por não indicarem solução para a autocomiseração, soam-me como labirintos de palavras inúteis. Pavimentam caminhos que não levam a lugar algum. Elevados às raias do exagero, esses discursos também excluem o outro da conversa porque geralmente quem reclama demais só ouve a si mesmo, além de transmitir a seguinte mensagem: sua vida é muito mais fácil do que a minha, só te resta me escutar. E está selado, assim, o fim da nossa amizade.
Uma variação do discurso de autopiedade é aquele que arvora para si o monopólio da experiência. Nasci antes, portanto, sei mais do que você. Já passei por isso, sua experiência me é desnecessária. No final das contas, a conclusão de quem pensa assim é que o outro nada pode lhe acrescentar. Ela busca confirmar a própria penúria e se rotula, sem perceber, como alguém digno de pena. Essa pessoa é uma ilha, onde só chegam a nado os escolhidos, que serão poucos, aliás, e todos como ela mesma. Basicamente um lugar chato.
E tem também a versão autopiedosa de quem prefere julgar o outro pelo que ele parece ser. Em pé, na banca, a mulher do lado comenta a terceira gravidez de Angélica. “Com todo esse dinheiro, até eu teria três filhos”. Vai dizer que você nunca ouviu isso? A mulher resolveu se justificar jogando para o outro, a Angélica, a “vida fácil” que ela não tem. É claro que o dinheiro ajuda. Problemas práticos se afastam. Você contrata alguém para cozinhar, lavar, arrumar, pagar suas contas e até organizar o seu armário, se quiser. E tem todo o glamour, as portas que se abrem, a profissão que rende dinheiro etc. Quase um conto de fadas. Mas ter filhos é mais do que bancar escola, médico, roupas e brinquedos. É mais do que proporcionar viagens e conforto. O que um filho precisa mesmo é de atenção e proteção, e essas mercadorias podem faltar tanto nas famílias abastadas como nas carentes. Além do mais, o imponderável da vida é democrático, vale para todos nós. Muitas vezes é essa sensação de não controlar o mundo que deixa as pessoas inseguras e com medo. Para esse medo, não tem dinheiro que dê jeito.
Não sei da vida da Angélica, não é minha amiga e nunca a entrevistei. O que eu quero dizer é que apontar os privilégios alheios para justificar as minhas dificuldades é o pior caminho. O fato do outro não ter passado pelas mesmas experiências, de não ter necessariamente “começado de baixo”, de não ter sofrido com uma determinada doença, não ter ficado desempregado não o desqualifica, apenas o caracteriza como alguém diferente de quem passou por tudo isso.
É bom se identificar. Abrimos as portas da nossa alma para pessoas que parecem refletir nossos pensamentos. Nada mais reconfortante do que ler uma crônica política que traduza nossa indignação. É libertador rir de uma cena no cinema que parece tirada da nossa vida particular. Mas nada mais enriquecedor do que descobrir no outro sentimentos como os meus. É a humanidade que nos aproxima. E humanidade é o único antídoto que conheço para a intolerância e para o monopólio da dor. Se somos todos humanos, rimos e choramos.
*ou a grama do vizinho é sempre mais verde, daí a ilustração do post. ; )
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