segunda-feira, 25 de março de 2013

À sombra do herói

Achei muito interessante este artigo de  Flávio Cordeiro, publicado em Mulher 7 X 7, e decidi compartilhar:



Na minha época de adolescente, eu adorava escutar “Química” da Legião Urbana. Os versos diziam que passar no vestibular era a senha para se tornar “responsável, cristão convicto, cidadão modelo e burguês padrão”. De fato, passamos boa parte da vida sendo estimulados a “passar no vestibular” – real e metaforicamente. A seguir modelos e padrões.
O mundo dos heróis é repleto dessas “forminhas”. Heróis são os superstars de nossa sociedade: eles compensam nossas fraquezas, nossas inapetências, nosso egoísmo e nossa pequenez. Como se sabe, heróis não são criaturas humanas, são semi-deuses: filhos de divindades com mortais. Teríamos então todo o direito de nos sentir um pouco intimidados diante de tanta perfeição. Diante de um herói, como admitir que não sacamos nada de física, literatura ou gramática?
Como não lembrar do herói e corredor sul africano Oscar Pistorius, que assassinou a namorada e alegou tê-la confundido com um ladrão? Ou Lance Amstrong, o tantas vezes vencedor do Tour de France e campeão na luta contra o câncer, desmascarado recentemente por uso e distribuição de doping? Ou da lenda do esporte americano O.J Simpson, absolvido do assassinato da mulher por uma tecnicalidade jurídica?  Como não lembrar do campeão da moralidade na política, que perdeu o mandato após a revelação de relações criminosas com o jogo do Bicho? Como não desconfiar de que na circunferência os extremos se aproximam?
Desconfio, estimulado por Heráclito, de todo homem-santo, de todo “herói semideus”, de todo dono da verdade, de todo cidadão-modelo e burguês padrão; desconfio de casamentos sem rusgas, de gente que não envelhece nunca, de namorados e namoradas ideais.
Precisaremos de heróis e semideuses enquanto julgarmos que a tarefa de viver é superior à nossa capacidade aguentar a vida como ela é. Mas o único ato heroico, a única aventura, é viver a nossa jornada pessoal, passando ou não no vestibular, caindo, levantando, ajudando e sendo ajudado a levantar. E então, aos poucos, quem sabe, seremos capazes de criar as nossas próprias “forminhas” – adequadas aos nossos sonhos e às nossas aspirações. Nietzsche usava uma expressão para se referir ao amor incondicional à vida do jeito que ela nos é dada: o amor fati – o amor incondicional às coisas como elas são e não como idealmente “deveriam” ser.
Então, meus amigos e amigas, desejo a todos muito amor fati! E cuidado com os “heróis-demais” !
(Este post é dedicado à mestra Dulcinéa Monteiro – que ensina Amor Fati na teoria e na prática.)

* Flávio Cordeiro, carioca, é publicitário.

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